A identificação com o grupo é pois um caminho simples e mais
fácil; mas a vivência grupai não vai mais fundo do que o nível em
que cada um está. Algo se modifica em cada um, mas essa mudança não
perdura. Pelo contrário: a pessoa depende continuamente da embriaguez da
massa a fim de consolidar a vivência e poder acreditar nela. Quando não
está mais na multidão, a pessoa toma-se outro ser, incapaz de reproduzir
o estado anterior.
Na massa predomina a “participation mystique”, que nada mais
é do que uma identidade inconsciente. Por exemplo, quando se vai ao
teatro, os olhares encontram imediatamente os olhares que se ligam uns
aos outros; cada um olha como o outro olha e todos ficam presos à rede
invisível da relação recíproca inconsciente. Se esta condição se intensifica,
cada um sente-se arrastado pela onda coletiva de identificação com os
outros. Pode até mesmo ser uma sensação agradável - uma ovelha entre dez mil
ovelhas. Ε se percebemos que essa multidão é uma grande e maravilhosa
unidade tornamo-nos heróis exaltados pelo grupo.
Voltando depois a nós
mesmos, descobrimos que meu nome civil é este ou aquele, que moro
nesta ou naquela rua, no terceiro andar e que aquela história, no fundo, foi
muito prazerosa; e esperamos que amanhã ela se repita a fim de que eu possa
sentir-me de novo como um povo inteiro, o que é bem melhor do
que ser apenas o cidadão χ ou y. Como este é um caminho fácil e conveniente
de ascensão a outros níveis de personalidade, o ser humano sempre formou
grupos que possibilitassem vivências de transformação coletiva,
freqüentemente sob a forma de estados extáticos. A identificação regressiva
com estados de consciência inferiores e mais primitivos é sempre
ligada a um maior sentido de vida, donde o efeito vivificante das
identificações regressivas com os ancestrais meio teriomórficos da idade da
Pedra.
A inevitável regressão psicológica dentro do grupo é
parcialmente suprimida pelo ritual, isto é, pela cerimônia do culto que
coloca no centro da atividade grupal a representação solene dos eventos
sagrados, impedindo que a multidão caia numa instintividade inconsciente.
Ao exigir a
atenção e o interesse de cada indivíduo, a cerimônia do
culto possibilita que o mesmo tenha uma vivência relativamente individual
dentro do grupo, mantendo-se assim mais ou menos consciente. No
entanto, se faltar a relação com um centro que expresse o inconsciente através
de seu simbolismo, a alma da massa torna-se inevitavelmente o ponto focai de fascínio, atraindo cada um com seu feitiço. Por isso as
multidões humanas são sempre incubadoras de epidemias psíquicas"",
sendo os acontecimentos na Alemanha nazista o evento clássico desse fenômeno.
Contra esta avaliação da psicologia das massas,
essencialmente negativa, objetar-se-á que há também experiências positivas como por exemplo um entusiasmo saudável que incentiva o indivíduo a
ações nobres, ou um sentimento igualmente positivo de solidariedade
humana.
Fatos deste tipo não devem ser negados. A comunidade pode
conferir ao
indivíduo coragem, decisão e dignidade que ele perderia
facilmente no isolamento. Ela pode despertar nele a lembrança de ser um
homem entre homens. Mas isso não impede que algo lhe seja acrescentado,
algo que não possuiria como indivíduo. Tais presentes, muitas vezes
imerecidos,
significam no momento uma graça especial, mas a longo prazo
há o perigo de o presente transformar-se em perda, uma vez que
a natureza humana tem a debilidade de julgar que é indiscutivelmente
sua tal dádiva; por isso, num momento de necessidade, passa a exigir esse
presente
como um direito seu em vez de obtê-lo mediante o próprio
esforço.
C. G. JUNG